Nove anos depois de introduzidas na CLT pela Lei nº 9.958/2000, as Comissões de Conciliação Prévia ainda geram controvérsias na Justiça do Trabalho e são objeto de questionamento no Supremo Tribunal Federal. Embora haja consenso quanto à importância das comissões como mecanismo de solução extrajudicial de conflitos e, consequentemente, sobre sua contribuição para o desafogamento do Poder Judiciário, questiona-se no STF a constitucionalidade da exigência de que os conflitos trabalhistas sejam submetidos às CCPs antes de chegarem ao Judiciário. No Tribunal Superior do Trabalho, aguarda-se o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 2139 para que o tema volte a ser discutido pela Seção Especializada em Dissídios Individuais (SDI-1), cuja principal atribuição é a uniformização da jurisprudência trabalhista e das decisões das Turmas do TST. No âmbito das oito Turmas, ainda não há entendimento único sobre o tema.
O foco dos questionamentos está na interpretação do artigo 625-D da CLT, introduzido pela lei que instituiu as CCPs. Textualmente, o dispositivo estabelece que “qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à Comissão de Conciliação Prévia se, na localidade da prestação de serviços, houver sido instituída a Comissão no âmbito da empresa ou do sindicato da categoria”. No TST, existem três interpretações diferentes para o texto legal: a de que a submissão do litígio às CCPs é obrigatória; a de que se trata de uma formalidade necessária, cuja ausência, como outras irregularidades (como a de representação), é passível de ser sanada após o ajuizamento da ação; e a de que se trata de uma faculdade das partes, e não de uma obrigatoriedade.
Economia e celeridade processuais
Na maioria das Turmas do TST, as decisões têm sido contrárias à extinção do processo que chegam a esse grau extraordinário de jurisdição. O ministro Lelio Bentes, presidente da Primeira Turma, destaca os princípios da economia e da celeridade processuais que norteiam o processo do trabalho. Neste contexto, a extinção da ação depois de ele ter passado por todas as instâncias até o TST seria um retrocesso para as partes e um desperdício dos recursos materiais e humanos já despendidos na tramitação da causa – além do desperdício das provas e de todo o material colhido ao longo do processo. Para o ministro Vieira de Mello Filho, também da Primeira Turma, “a norma expressa no artigo 625-D da CLT requer interpretação compatível com os princípios da inafastabilidade da jurisdição e do devido processo legal.”
O ministro Maurício Godinho Delgado, da Sexta Turma, defende que a ausência de passagem pela CCP é uma nulidade que pode ser sanada pelo próprio curso do processo judicial trabalhista, e, assim, a submissão não é condição da ação ou pressuposto processual intransponível para o ajuizamento da reclamação. “Não se declara eventual nulidade, no Direito Processual do Trabalho, se não houver manifesto prejuízo às partes, e a instigação à conciliação inerente à dinâmica trabalhista suprime eventual prejuízo resultante da omissão extrajudicial”, argumenta. “Cabe ao próprio juiz de primeiro grau determinar que o ato de composição se realize na audiência.” Ele ressalta ainda que não há, na CLT, norma que determine a extinção do processo nessas condições, e não é viável, portanto, “imprimir-lhe o efeito de impossibilitar a discussão da demanda diretamente na esfera judicial”. O presidente da Sexta Turma, ministro Aloysio Corrêa da Veiga, também entende que cabe ao juiz de primeiro grau examinar os pressupostos processuais. “Extinguir, na instância superior, um processo que passou obrigatoriamente pela tentativa de conciliação no primeiro grau, apenas porque o caso não se submeteu a uma CCP, seria uma hipocrisia”, defendeu ele na SDI-1.
Na Segunda, Terceira e Quinta Turmas, o entendimento majoritário é no sentido de que a passagem pela CCP é facultativa. “Trata-se de mecanismo extrajudicial de solução de conflitos, e não de pressuposto processual ou mesmo de condição da ação”, afirma o ministro Renato de Lacerda Paiva, da Segunda Turma. Para o ministro Alberto Bresciani, da Terceira Turma, embora, à primeira vista, a redação do artigo 625-D da CLT possa dar margem à interpretação no sentido da obrigatoriedade, “a adoção de tal procedimento é faculdade do empregado, pois não há qualquer sanção pela não-utilização da modalidade de solução extrajudicial do conflito”. Na Quinta Turma, a ministra Kátia Arruda entende que a conciliação prévia não pode ser requisito para o ajuizamento da reclamação trabalhista, “sob pena de atingir o princípio constitucional do livre acesso à Justiça”. Os presidentes da Terceira e da Quinta Turmas, ministros Vantuil Abdala e Brito Pereira, têm ficado vencidos. Ambos defendem a obrigatoriedade da submissão à CCP.
Apelo à autocomposição
O ministro Barros Levenhagen, da Quarta Turma, acredita que a tentativa de conciliação na Vara do Trabalho não substitui a composição extrajudicial – “do contrário, a exigência legal de submissão à CCP se tornaria letra morta”. Ele destaca que a prévia tentativa de conciliação é inclusive condição para a propositura do dissídio coletivo cuja constitucionalidade já foi reconhecida pelo STF. “Não é plausível que exigência semelhante para a ação individual possa configurar ofensa ao princípio de acesso à jurisdição, mesmo porque a conciliação, ainda que extrajudicial, está intimamente ligada à finalidade histórica da Justiça do Trabalho, alçada à condição de princípio constitucional (artigo 114)”.
Na mesma linha, a Sétima Turma também tem julgado pela extinção do processo. “A dicção do preceito legal é imperativa – ‘será submetida’ – e não facultativa – ‘poderá ser submetida’”, afirma o ministro Ives Gandra Martins Filho, para quem o dispositivo não atenta contra o acesso ao Judiciário. “A passagem pela CCP é curta, de apenas dez dias, e a parte pode alegar eventual motivo justificador do não-recurso à CCP”, explica.
Na SDI-1, há precedente de 2007 (o E-RR-1182/2001-025-04-00.0) no sentido da extinção do processo sem julgamento do mérito na ausência de submissão à CCP. Naquele caso, a extinção se dera ainda no primeiro grau – e a SDI-1, por maioria, considerou que o trabalhador poderia ter buscado a conciliação extrajudicial na ocasião, em vez de tentar reverter a extinção por meio de recursos sucessivos. “Temos que estar atentos ao princípio da utilidade do instituto”, observou, no julgamento, o ministro Milton de Moura França, presidente do TST (à época vice-presidente), que votou com a maioria. “Temos que priorizar e valorizar a autocomposição. Ela deve ser desejo de empregado e empregador, porque, além de trazer o sossego na relação de emprego, a paz entre empregado e empregador, atende a esse imperativo de ordem pública, no sentido de desafogar o Judiciário e incentivar que haja menos conflitos.”
Mas a Seção vem retirando de pauta os casos recentes, na expectativa de que o STF conclua o julgamento da ADI 2139. Nela, o PC do B, o PSB, o PT e o PDT alegam que a exigência “constrange a liberdade dos cidadãos de submeterem ao Poder Judiciário a apreciação de suas demandas de natureza trabalhista” – violando, portanto, o inciso XXXV do artigo 5º da Constituição Federal, que garante a apreciação pelo Judiciário de lesão ou ameaça a direitos.
Fonte: TST
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